sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O preço da liberdade

Por Luiz Eduardo Silva Parreira

Para muitos brasileiros a Independência do Brasil, cuja data se comemora todo dia 07 de setembro, foi algo que se resumiu ao grito do Ipiranga pronunciado por Dom Pedro I: “Independência ou morte”! Na verdade, não foi bem assim. O Brasil independente teve de lutar contra quatro grandes desafios, que, caso não tivessem sido vencidos, certamente o seu contorno hoje seria bem diferente.

O primeiro deles: os movimentos separatistas que eclodiram em certas regiões do país que preferiram permanecer ligadas à Metrópole e dela tinham recebido reforços militares para manterem sua posição contra as forças brasileiras. O plano da Coroa portuguesa era continuar senhora das ricas províncias do Nordeste, que exigira grande esforço para mantê-las, no passado, e agora lhe rendiam muito dinheiro. Esses sangrentos combates são historicamente denominados de Guerras para Consolidação da Independência.

Portugal era um Estado orgulhoso. Ainda possuidor de um vasto império colonial espalhado pelo globo, não costumava receber uma agressão sem revidar. Quando da vinda da família real para o Brasil por conta da invasão francesa, logo que chegou ao Rio de Janeiro o rei português não titubeou e ordenou a invasão de Caiena, principal cidade da França na América do Sul, em 1809, permanecendo até 1817! Por certo, não entregaria a sua principal colônia sem luta.

O primeiro combate entre tropas brasileiras e portuguesas ocorreu na Bahia, ainda em 1822, ano da proclamação da independência. Após sangrentos choques, os brasileiros cercam os portugueses em Salvador, de onde tentam fugir para a Europa. Durante essas manobras, cinco de seus navios são presos e o restante escoltado até Lisboa pela Marinha Imperial do Brasil. As tropas do Exército Imperial brasileiro tomam a cidade em 02 de julho de 1823, data até hoje comemorada pelos baianos.

No Piauí ocorreu a batalha de Jenipapo, em 13 de março de 1823, vencida pelos portugueses, mas à la Pirro, o que fez com que o exército português preferisse concentrar suas forças na defesa do Maranhão, na época uma das mais ricas províncias do Brasil.

As forças brasileiras se tornavam cada vez mais experientes e numerosas. Os baluartes lusitanos caiam um a um! Em 28 de julho de 1823, São Luís capitula, ameaçada de ser bombardeada pelos canhões da esquadra do Brasil. Meses depois, outras duas investidas navais, reforçadas por forças terrestres, subjugaram o Pará e a Cisplatina (hoje Uruguai), incorporando-as definitivamente ao território brasileiro.

Outras revoltas ocorreriam ainda durante o século XIX, mas a consolidação já era uma realidade ao final de 1823. A partir de 1824, o Brasil passa a buscar a solução dos outros desafios: o seu reconhecimento internacional, o pagamento de indenização à Coroa portuguesa e a reestruturação político-administrativa do país.

Os Estados Unidos da América (EUA) são os primeiros a reconhecerem oficialmente o Brasil como um Estado independente, em maio de 1824. O segundo foi a Inglaterra, nesse mesmo ano. Mas a Coroa britânica, conforme o historiador Boris Fausto, primeiramente o fez em caráter informal, apenas para garantir a ordem na antiga colônia enquanto mediava o reconhecimento português. Em agosto de 1825, Portugal reconhece a independência do Brasil após assinatura de um tratado que comprometia o Império brasileiro a pagar-lhe uma indenização de dois milhões de libras. O Brasil não tinha esse dinheiro, o que o obrigou a contrair empréstimo junto aos mediadores ingleses, que também passam a reconhecê-lo oficialmente. No ano seguinte, a França, os Estados Pontifícios e demais países europeus reconhecem a independência politico-administrativa brasileira em relação a Portugal.

Processo não menos complexo que os desafios já escritos, a elaboração da Constituição do Brasil independente iniciou-se em 1822. Tinha a responsabilidade de dar as referências legais do novo país, meio pelo qual apaziguaria os ânimos mediante a segurança jurídica que imporia à sociedade – nacional e internacional – conforme fosse sendo empregada. Em 1823, o Imperador Dom Pedro I, notando que os debates parlamentares levariam a uma carta totalmente diferente daquela que ele vislumbrava, dissolve a Assembleia Constituinte e outorga a nossa primeira Carta Magna, em 25 de março de 1824, excessivamente centralista. Esse gesto autoritário culminou na eclosão de revoltas federalistas e republicanas, como a Confederação do Equador, que atingiu Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Para abafar esse movimento, foi necessário o deslocamento de tropas de diversas partes do país. Isso enfraqueceu a posição brasileira na Cisplatina que aproveita a situação e inicia seu movimento de independência contra os brasileiros em 1825, obtendo-a, em 1828, em meio a um tenso jogo diplomático, o Brasil bloqueando os portos de Buenos Aires e Montevidéu e a França, o do Rio de Janeiro.

Há quase 200 anos o sopro liberal que varreu o continente Americano desde a Independência dos EUA, em 1776, atinge o Brasil em 1822, por meio da iniciativa de Dom Pedro I. Entre o grito do Ipiranga até o efetivo reconhecimento do país como um novo Estado independente, muitos acontecimentos ceifaram vidas e exigiram sacrifícios de toda sorte. Como se viu, a nossa independência político-administrativa não se resumiu ao retumbante brado ouvido pelas margens plácidas do Ipiranga. Mas ele, sem sombra de dúvidas, resume o zeitgeist que envolveu os brasileiros naquele momento e que convenceu todo aquele que pretendeu impedi-lo: [...] ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo Brasil.